Em mais de 10 anos de atuação na área cultural, sobretudo com projetos de teatro, pude ter certeza de ao menos uma coisa: cultura e impacto social positivo andam de mãos dadas. E as leis de incentivo fiscal têm papel fundamental nessa relação – coisa que entendi desde cedo.
Meu envolvimento com produções teatrais vem de longa data, quando ingressei no grupo extracurricular de artes cênicas da escola, ainda no ensino fundamental. Desde então, acompanhei muitos projetos, seja como espectadora, artista, elaboradora ou produtora.
Conheci grupos teatrais permanentes de comunidades periféricas, acompanhei formações e produções cênicas com todo tipo de público (crianças, adolescentes, idosos em casas de acolhimento, dependentes químicos, reeducandos de presídios masculinos e femininos, pessoas em situação de rua). Participei de grandes festivais de teatro escolar, universitário e profissional, assisti a espetáculos em circulação por cidades do interior do Brasil (lá onde muita gente nem imagina que a arte pode chegar), vi profissionais e grupos inteiros de teatro fazerem intercâmbio no exterior. Isso tudo com financiamento por meio de leis de incentivo à cultura de âmbito municipal, estadual ou federal.
Para se ter uma ideia, segundo dados disponíveis na plataforma Salicnet*, a área de Artes Cênicas é a que mais captou recursos via Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) desde a sua implementação, em 1992, somando R$ 7.404.072.080,25 em recursos para viabilização de projetos – aproximadamente 26,38% do total de R$ 28.062.254.818,16 investido por meio da lei.
Ainda conforme a plataforma Salicnet, desde 1992, foram apresentados 42.232 projetos de Artes Cênicas na Lei Rouanet, sendo 3.614 só em 2023. E, há mais de 10 anos, desde 2012, é a área cultural com maior número de projetos captados.
Neste artigo, destrincho 5 tópicos principais para entender melhor sobre como as leis de incentivo impactam a produção teatral.
Antes de tudo… O que é produção teatral?
A produção teatral compreende todas as atividades envolvidas na criação, desenvolvimento e apresentação de produções de teatro, incluindo não apenas a elaboração de peças específicas, mas também a gestão e manutenção de grupos e dos mais variados projetos do campo das artes cênicas.
Isso abrange desde a concepção inicial de uma ideia para uma peça até a execução final no palco, englobando também atividades como seleção de elenco e equipe técnica, ensaios, cenografia, figurino, iluminação, sonoplastia, divulgação, entre outros aspectos relacionados à arte teatral.
Em linhas gerais, a produção teatral diz respeito a todas as atividades necessárias para trazer o teatro à vida, tanto no aspecto criativo quanto no aspecto organizacional e administrativo.
E como funcionam as Leis de Incentivo Fiscal?
As leis de incentivo fiscal são políticas públicas que possibilitam que empresas e pessoas físicas usem parte do valor que pagariam de impostos para apoiar projetos importantes para a sociedade, em áreas como cultura, esporte, saúde, meio ambiente, entre outras.
Então, a grosso modo, a pessoa física ou jurídica, por meio das leis de incentivo, paga exatamente o mesmo valor que pagaria em impostos, mas parte desse dinheiro vai para apoiar um projeto (devidamente aprovado pelo governo), em vez de ir diretamente para os cofres públicos. É uma forma de todo mundo sair ganhando: quem investe, quem recebe o investimento para executar seu projeto e a sociedade como um todo.
Dito isto, vamos aos 5 tópicos essenciais que revelam o impacto transformador das leis de incentivo na produção teatral brasileira.
1. Fomento à cultura
Entendendo o funcionamento das leis de incentivo, fica evidente o papel fundamental que elas desempenham no fomento à produção teatral e à cultura como um todo no Brasil. Já pensou quantos projetos nunca saem do papel por não encontrarem financiamento?
Por meio das leis de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet, de nível federal, e outras de nível estadual ou municipal (a exemplo do ProAC e do Pro-Mac, de São Paulo), a renúncia fiscal proporciona que empresas e pessoas físicas invistam em projetos de arte e cultura sem gastar 1 real a mais do que já gastariam em impostos devidos. Por consequência, o financiamento disponível para produções teatrais é aumentado e mais projetos são realizados. Simples assim!
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2. Ampliação de acesso e formação de público
Um dos maiores benefícios das leis de incentivo à cultura para a sociedade diz respeito ao acesso de mais pessoas a produções artísticas e, como fruto disso, à formação de público. Mas, para além da realização de mais projetos, como citado logo acima, há outros fatores intrínsecos:
A) Ingressos gratuitos ou a preços acessíveis: projetos financiados via leis de incentivo, como peças teatrais, possibilitam acesso gratuito ou com oferta de ingressos a preços populares. Há leis de incentivo que, inclusive, exigem esta prática – nada mais justo, visto que são projetos realizados com verba pública.
Isso torna as peças de teatro (e outras produções) acessíveis para diferentes camadas da população, permitindo que um público mais amplo tenha a oportunidade de assistir às apresentações.
B) Ações formativas: é comum que projetos de artes cênicas viabilizados por leis de incentivo ofereçam, como contrapartida social, a realização de oficinas, palestras, debates e outras atividades formativas que envolvem o público de maneira mais profunda com o fazer teatral.
Essas ações não só estimulam o interesse do público pelo teatro, como ajudam a qualificar uma audiência mais engajada.
C) Descentralização: através das leis de incentivo, é possível levar produções teatrais a cidades interioranas, comunidades afastadas e regiões periféricas, ocupando lugares em que, muitas vezes, o acesso à cultura é limitado.
Não à toa, algumas leis de incentivo fomentam a descentralização e democratização de acesso, como é o caso do Pro-Mac, a lei municipal de cultura de São Paulo, que oferece faixas maiores de renúncia fiscal a projetos com ações previstas em regiões menos privilegiadas.
D) Inclusão social e acessibilidade: muitos projetos teatrais patrocinados via leis de incentivo são destinados a públicos específicos, como pessoas com deficiência (PCDs), para citar apenas um exemplo. Esses projetos visam a atender a necessidades específicas do público em questão, promovendo sua inclusão social por meio do acesso à arte.
Outro fator importante é que a maioria das leis de incentivo à cultura exigem que o projeto preveja as ações de inclusão e acessibilidade, como audiodescrição, por exemplo. Esta é uma forma de garantir que pessoas com deficiência sejam contempladas.
3. Diversificação de temáticas e linguagens
As leis de incentivo à cultura promovem o financiamento de projetos teatrais menos tradicionais e com viés não-comercial, que provavelmente não seriam viabilizados apenas com recursos privados. O apoio a esse tipo de projeto possibilita maior liberdade para a realização de peças de teatro de diferentes temáticas e linguagens, que abordem assuntos mais delicados, e isso contribui ativamente para a diversidade e enriquecimento cultural do setor.
Ainda nesta linha, a diversidade regional e a preservação e difusão de tradições locais também são benefícios proporcionados por projetos incentivados, que têm maiores oportunidades de realizar produções que refletem as especificidades artísticas e culturais das mais diferentes regiões do Brasil.
Um ótimo exemplo de peça regional, que já ganhou muitas versões por meio de projetos realizados com leis de incentivo fiscal, é O Auto da Compadecida, que tem dramaturgia escrita por Ariano Suassuna e trabalha de forma brilhante o teatro popular nordestino.
4. Impulsionamento econômico
Quando você escuta por aí que a Lei Rouanet deu 5 milhões de reais para a Claudia Raia, a essa altura já deve ter certeza de que não é bem assim.
Além de o governo não dar o recurso diretamente ao artista, mas sim a autorização para ele captar com empresas e indivíduos, para uma produção teatral acontecer, como é o caso dos espetáculos musicais estrelados pela atriz, muitos são os profissionais envolvidos: elenco, diretores, cenógrafos, figurinistas, iluminadores, sonoplastas, maquiadores, produtores, equipe técnica (operadores de som, luz, cenário e outros profissionais responsáveis por trabalhar nos bastidores para que as apresentações ocorram sem intercorrências) – para citar apenas alguns. Então, no caso da Claudia Raia, os tão falados 5 milhões são para financiar toda a produção, não apenas o seu cachê como artista.
É evidente que, quanto maior uma produção teatral, mais pessoas e recursos são envolvidos e, portanto, maior é o custo para sua realização. Por isso, extrapolando os benefícios culturais, as produções teatrais financiadas via leis de incentivo também geram impacto econômico positivo, criando empregos na indústria cultural, fomentando o mercado e, até mesmo, movimentando o turismo cultural em diversas regiões do Brasil.
5. Formação e profissionalização de talentos
Com mais recursos disponíveis para financiar produções teatrais, as leis de incentivo também proporcionam oportunidades para formação e profissionalização de talentos no campo teatral, promovendo o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e experiências necessários para construção e consolidação de carreiras nas artes cênicas.
São diversas as maneiras como as leis de incentivo à cultura estimulam a formação e profissionalização de talentos. Para citar alguns exemplos, por meio de projetos incentivados é possível:
• Custear cursos, oficinas e formações completas a profissionais de diferentes áreas do teatro (atores, diretores, cenógrafos, técnicos de som e luz e até grupos completos);
• Realizar intercâmbios e residências artísticas, que oportunizam que artistas e profissionais do teatro tenham experiências imersivas e aperfeiçoamento em suas áreas de atuação;
• Financiar projetos de pesquisa, permitindo que artistas teatrais desenvolvam novos trabalhos, experimentem linguagens e abordagens inovadoras e explorem temas relevantes para o cenário cultural, além de contribuir para o desenvolvimento de projetos autorais;
• Estimular o crescimento do mercado de trabalho na área teatral, já que, como visto anteriormente, produções teatrais demandam o envolvimento de uma diversidade enorme de artistas e outros profissionais do teatro.
Ao longo desses 5 tópicos, foi possível entender de forma mais aprofundada o impacto significativo das leis de incentivo fiscal na produção teatral brasileira. Por meio dessa política pública de renúncia fiscal, projetos teatrais têm a oportunidade de sair do papel e impactar de forma positiva, não apenas a sociedade, mas também os profissionais envolvidos e seus dependentes.
É importante ressaltar que, apesar dos desafios e críticas enfrentados pelo sistema de incentivo fiscal, suas contribuições para o desenvolvimento cultural do país são, realmente, inegáveis. Portanto, é necessário continuar aprimorando essas políticas, buscando formas de torná-las mais eficientes e acessíveis, garantindo, assim, que a produção teatral e cultural como um todo continue a crescer e a enriquecer a nossa sociedade.
Por fim, aqui na Incentiv, contribuímos para driblar os desafios encontrados por produtores teatrais através do nosso Ecossistema de Impacto que conecta empresas, pessoas e projetos através das leis de incentivo fiscal. Assim, em comemoração ao Dia Mundial do Teatro (27/03), convido você a conhecer algumas iniciativas que estão transformando realidades através da arte:
Projeto Cena Sustentável
Projeto Teatro dos ODS
Espero que esse conteúdo tenha te ajudado na compreensão sobre o impacto social positivo que as leis de incentivo geram na produção teatral.
Até a próxima!